Por: Thaciel Camargo


Recuperações Judiciais no Brasil e Impactos no Agronegócio de Mato Grosso: Análise dos Anos 2024 e 2025

Introdução

Nos últimos anos, a utilização da recuperação judicial tem sido amplamente debatida no meio empresarial brasileiro, especialmente no que se refere aos setores mais vulneráveis às oscilações econômicas e ambientais. Em um cenário de elevação de juros, instabilidade do crédito e eventos climáticos extremos, o agronegócio – pilar da economia de estados como Mato Grosso – vem sentindo os efeitos dessa prática jurídica. O presente artigo tem como objetivo analisar os índices de recuperações judiciais ocorridos em 2024 e 2025, explorando os dados coletados de sistemas reconhecidos como JusBrasil, Monitor RGF e veículos especializados em notícias agrícolas.

A problematização central busca responder: Quais são os reais impactos dessas recuperações judiciais sobre o setor do agronegócio em Mato Grosso? Em que medida os desafios econômicos e climáticos têm contribuído para o crescimento desses números? E como os mecanismos jurídicos de reorganização, como o modelo DIP (Debtor-in-Possession), podem oferecer uma resposta salvadora para empresas e produtores rurais em dificuldades? Ao colocar essas questões, o artigo convida o leitor a refletir sobre a intersecção entre a saúde financeira das empresas e a sustentabilidade de um setor que representa um dos maiores polos de produção de alimentos do país.

Além de demonstrar, com dados matemáticos, o aumento dos pedidos de recuperação judicial, este texto analisa as implicações práticas dessa tendência: desde dificuldades na renegociação de dívidas até a pressão por investimentos em tecnologias de mitigação de riscos climáticos e na capacitação da gestão financeira dos produtores. Diante disso, a discussão se amplia para a eficácia dos instrumentos legais oferecidos pela legislação brasileira, que, apesar de seu caráter provisório, apresentam desafios para garantir a continuidade operacional sem comprometer a integridade do sistema financeiro. Ao explorar esses pontos, busca-se compreender se a recuperação judicial é, de fato, um mecanismo de proteção necessário ou se, em alguns casos, atua como um sintoma de problemas estruturais mais profundos, como falhas na gestão e na política pública de apoio ao agronegócio.

Portanto, este artigo apresenta um panorama detalhado que combina dados quantitativos e análises qualitativas para ilustrar como os eventos de 2024 e 2025 se configuraram como um “termômetro” da saúde econômica do agronegócio. Em particular, concentra-se nas vulnerabilidades de Mato Grosso, um estado cuja economia depende fortemente da produção agrícola e que vem enfrentando condições adversas que potencializam o uso da recuperação judicial. Assim, a partir dessa problematização, o leitor é convidado a refletir sobre as práticas de gestão e as políticas necessárias para transformar a recuperação judicial em um instrumento de reestruturação sustentável e não apenas em uma solução paliativa para crises momentâneas. Essa reflexão é fundamental para identificar caminhos que possam fortalecer o setor diante dos desafios contemporâneos.

Desenvolvimento

O ano de 2024 apresentou um cenário desafiador para o agronegócio brasileiro, sobretudo no que se refere à capacidade de pagamento dos produtores e à efetividade das medidas legais de reorganização empresarial. Dados extraídos de diversos sistemas de monitoramento divulga­dos por fontes como Monitor RGF e JusBrasil apontam que o aumento dos pedidos de recuperação judicial representa mais do que uma simples estatística: é o reflexo de um sistema financeiro tensionado por fatores externos e internos. Segundo o Monitor RGF, no primeiro trimestre de 2025, foram registradas 4.881 companhias em recuperação judicial, das quais 1.112 tinham forte ligação com o setor agroindustrial. Esse número, correspondente a aproximadamente 22,8% do total, evidencia que o agronegócio se situa entre os segmentos mais vulneráveis nessa estrutura de reestruturação.

Em 2024, veículos especializados noticiaram que os pedidos de recuperação judicial no setor agro atingiram números recordes, apresentando um crescimento de até 138% em relação ao ano anterior. Esse aumento expressivo pode ser explicado por uma conjugação de fatores. Entre eles, destacam-se as adversidades climáticas: no final de 2024, condições severas de seca afetaram cerca de 58% do território nacional, dificultando a produção e comprometendo a rentabilidade das safras. Ao mesmo tempo, a política monetária adotada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) influenciou diretamente o custo do crédito rural. A taxa Selic, por exemplo, saltou de 10,5% para 13,25% – um reajuste de aproximadamente 26,2% – pressionando os produtores a arcarem com encargos financeiros cada vez maiores. Esse cenário criou uma “tempestade perfeita”, em que a falta de capital de giro se intensificou, impulsionando o recurso à recuperação judicial como meio de reorganização.

A análise matemática desses dados permite uma compreensão mais precisa de como esses indicadores se inter-relacionam. Se considerarmos o aumento de 138% nos pedidos de recuperação judicial no agronegócio em 2024, podemos inferir que para cada 100 processos ocorridos no ano anterior, passaram a existir 238 processos no ano subsequente. Essa transformação percentual ilustra uma escalada abrupta que, aliada à elevação das taxas de juros, afeta diretamente a sustentabilidade financeira dos produtores. Em um cenário em que 1.112 dos 4.881 processos documentados no primeiro trimestre de 2025 são oriundos do setor agro, essa proporção reforça a necessidade de medidas profiláticas e proativas na gestão de riscos.

Outro aspecto relevante na discussão é a adoção do modelo DIP (Debtor-in-Possession) no contexto das recuperações judiciais. Esse modelo permite que a empresa continue operando enquanto implementa seu plano de reestruturação, mantendo o fluxo de caixa e preservando a geração de empregos. Estudos indicam que, para empresas do agronegócio, a utilização do DIP pode reduzir em até 80% o prejuízo potencial associado à paralisação de suas atividades e à perda de oportunidades de mercado. Todavia, é preciso considerar que o sucesso dessa estratégia depende de uma análise minuciosa do diagnóstico financeiro da empresa, do real comprometimento dos credores e da capacidade de adaptação às condições do mercado.

Em Mato Grosso, o impacto desses indicadores é particularmente significativo. O estado, cuja economia depende em grande parte da produção de grãos como soja e milho, enfrenta desafios adicionais decorrentes de variáveis climáticas típicas da região, como a irregularidade das chuvas e períodos de estiagem prolongados. A pressão do mercado financeiro, combinada com a instabilidade climática, tem levado muitos produtores a recorrerem à recuperação judicial como forma de evitar a falência e manter a continuidade operacional. Por exemplo, se considerarmos uma empresa com um passivo de R$ 10 milhões, a reestruturação por meio da recuperação judicial, aliado a uma renegociação que permita uma redução de 30% do passivo, pode representar uma economia de R$ 3 milhões – recurso essencial para reinvestir em tecnologias de produção e manutenção da competitividade do setor.

Do ponto de vista jurídico, a recuperação judicial é uma ferramenta complexa que vai além da simples renegociação de dívidas. Ela exige a elaboração de um plano detalhado que contemple medidas de reorganização operacional, investimentos em inovação e a adoção de políticas internas rigorosas para evitar o agravamento das crises financeiras. No agronegócio, esse planejamento precisa levar em conta a sazonalidade das colheitas, a volatilidade dos preços das commodities e os riscos associados a eventos climáticos. Assim, o processo de recuperação não é apenas reativo, mas deve ser incorporado à estratégia de gestão de riscos das empresas.

Ao analisar os dados quantitativos, observa-se uma tendência de escalada contínua dos pedidos de recuperação judicial, o que impõe um alerta para os gestores do setor. Por exemplo, os números divulgados apontam que, em Mato Grosso do Sul – estado com características econômicas semelhantes às de Mato Grosso –, os pedidos de recuperação judicial no agronegócio saltaram de 28 para 44 casos em apenas um ano, representando um aumento de 57,1%. Embora esses números possam variar de acordo com a região, eles refletem um padrão que impacta significativamente a cadeia produtiva e a segurança financeira dos produtores rurais.

Além dos números e das estratégias jurídicas, é fundamental discutir as principais necessidades emergentes desse cenário. Primeiramente, há a urgência na capacitação dos produtores e empresários do agronegócio para a gestão de crises financeiras. A disseminação de conhecimentos sobre planejamento estratégico, análise de riscos e renegociação de dívidas é indispensável para reduzir a incidência de situações que demandem a recuperação judicial. Em segundo lugar, o acesso a crédito a taxas mais competitivas e a políticas públicas que incentivem a inovação tecnológica podem auxiliar na adaptação das empresas às condições de mercado. Investimentos em tecnologia para a previsão climática, por exemplo, podem mitigar os impactos das secas e enchentes, permitindo uma melhor gestão da produção agrícola.

As implicações desses dados vão muito além dos números. Elas indicam uma necessidade de repensar as estruturas de financiamento e de apoio governamental voltado para o setor. Políticas que promovam a estabilidade econômica e a diversificação dos mercados, bem como uma atuação conjunta entre instituições financeiras e o governo, podem reduzir a pressão que leva os agricultores a buscar a recuperação judicial como única solução. Assim, a recuperação judicial deve ser vista não apenas como um mecanismo de proteção, mas como um sinalizador de que mudanças estruturais são necessárias para garantir a sustentabilidade do agronegócio.

Para ilustrar ainda mais essa realidade, podemos recorrer à análise de uma tabela resumida dos principais indicadores:

IndicadorValor em 2024Valor em 2025 (1º tri)Variação / Observação
Pedidos de Recuperação Judicial no AgroCrescimento de até 138% (em relação ao ano anterior, dados estimados)1.112 (dentre 4.881 companhias)Aproximadamente 22,8% do total – forte expressão do setor
Taxa Selic10,5%13,25%Aumento de cerca de 26,2%, pressionando o crédito
Casos registráveis em Mato Grosso do Sul2844Aumento de 57,1% (indicador regional semelhante a MT)
Área afetada por seca (estimativa nacional)58% (do território)Indicador de condições climáticas adversas

Essa tabela demonstra que, matematicamente, os choques econômicos e climáticos têm um efeito direto sobre a saúde financeira do agronegócio. Cada percentual representa não apenas um número, mas a realidade enfrentada por milhares de produtores que dependem desse setor para sua subsistência e para a manutenção de toda a cadeia produtiva.

Em síntese, o desenvolvimento dos últimos dois anos revela uma tendência que precisa ser monitorada de perto pelas autoridades, pelos operadores do direito e pelos próprios empresários do agronegócio. A recuperação judicial, quando conduzida de maneira estratégica, pode ser uma ferramenta salvadora. No entanto, sua necessidade crescente sinaliza fragilidades sistêmicas que demandam intervenções estruturais, tanto no âmbito jurídico quanto no econômico.

Conclusão

As questões levantadas na introdução encontram respostas que, embora complexas, apontam para a recuperação judicial como um instrumento indispensável num cenário de crise, mas também como um indicativo das fragilidades do setor. Em Mato Grosso, onde o agronegócio é a principal força econômica – representando cerca de 40% do PIB estadual –, o aumento dos pedidos de recuperação judicial revela a pressão exercida por fatores externos como condições climáticas adversas, elevação das taxas de juros e dificuldades na gestão de recursos financeiros. O crescimento exponencial nos números, com exemplos que variam de aumentos de 138% a variações regionais como o salto de 57,1% registrado em Mato Grosso do Sul, demonstra que o fenômeno não é isolado, mas parte de um cenário nacional que exige uma reflexão profunda.

Em resposta aos questionamentos iniciais, pode-se afirmar que os mecanismos legais de recuperação judicial, particularmente com a aplicação do modelo DIP, oferecem uma tábua de salvação para empresas e produtores rurais ao possibilitar a continuidade das operações enquanto se reestrutura as dívidas. Todavia, essa “salvação” vem acompanhada do reconhecimento de que a utilização desse mecanismo é sintomática de uma gestão que, em vários casos, adota medidas emergenciais apenas após a eclosão de uma crise. Assim, a experiência dos anos 2024 e 2025 serve de alerta: é imperativo que políticas públicas, planejamento estratégico e educação financeira caminhem lado a lado para evitar que a recuperação judicial se torne a regra e não a exceção.

Adicionalmente, a consolidação de parcerias entre instituições financeiras, órgãos governamentais e o setor privado pode fomentar a implementação de soluções inovadoras que reduzam o risco de inadimplência e promovam a sustentabilidade do agronegócio. Investimentos em tecnologia para previsão climática, diversificação de culturas e mecanismos de suporte financeiro são medidas que podem transformar esse cenário, minimizando o impacto negativo das flutuações econômicas. Em conclusão, embora a recuperação judicial seja, sem dúvida, uma ferramenta importante para manter a viabilidade das empresas em tempos de crise, ela também sinaliza a necessidade de uma reestruturação sistêmica que atenda às demandas de um setor vital para a economia brasileira. O desafio é transformar essa ferramenta de emergência em um instrumento preventivo, capaz de antecipar crises e garantir uma base sólida para o desenvolvimento sustentável do agronegócio em Mato Grosso e no país como um todo.

Referências Bibliográficas

  1. Notícias Agrícolas. Agro atinge número recorde recuperações judiciais no 1º tri de 2025. Disponível em: https://www.noticiasagricolas.com.br/noticias/agronegocio/400455-agro-atinge-numero-recorde-recuperacoes-judiciais-no-1-o-tri-de-2025-informa-o-monitor-rgf.html
  2. Campograndenews. Agronegócio lidera recuperações judiciais em MS com alta de 57% em 2024. Disponível em: https://www.campograndenews.com.br/economia/agronegocio-lidera-pedidos-de-recuperacao-judicial-em-ms
  3. JusBrasil. Recuperação Judicial do produtor rural em 2025: O alerta vermelho no agronegócio. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/recuperacao-judicial-do-produtor-rural-em-2025-o-alerta-vermelho-no-agronegocio/3715510817

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